O que você conhece sobre a história da Fitoterapia?
- Agata Desirrêe

- 10 de jan.
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Há todo um contexto por trás da história do surgimento da fitoterapia, a humanidade passa por diferentes estágios que podemos classificar como “medicina mágico simbólica” à “medicina empírico racional”, até o atual modelo biomédico farmacêutico. Acredita-se que o consumo de ervas e fungos pelos homens remontam a pré-história, e através da observação de animais e experimentação, aprendem que algumas ervas possuem efeitos de cura e ajudam a cuidar de algumas doenças, com a evolução da humanidade e sua necessidade de viver em grupos, nasce uma interação social e familiar onde cada grupo ou tribo carrega suas próprias características e conceitos, dentro de cada grupo seus ensinamentos são passados aos mais jovens de forma oral, onde o aprendizado vinha sempre carregado de muita mística e fantasia, nessa fase as ervas medicinais eram totalmente ligadas ao sagrado e religioso, e vista como algo sagrado e um presente de Deuses e entidades místicas, há relatos do uso de plantas medicinais, na Babilônia, por volta do ano 3000 a.C.
Continuamos caminhando pela história e pelo avanço intelectual da humanidade, e vemos nascer então um novo período de evolução, onde surge a escrita e os primeiros papiros chineses e egípcios sobre plantas medicinais, acredita-se que o mais antigo registro encontrado sobre plantas medicinais seja o PENT’S AO datado de 2.800 a.c., escrito por Shennong que descreve diversas plantas e seus usos terapêuticos,(ALMEIDA, 2011 _ Firino et. al. 2011), depois dele aparecem diversos estudos sobre plantas medicinais e por volta de 2000 a.C. foi produzida a primeira Matéria Médica Chinesa. Já por volta de 500 a.C. viveu Hipócrates (460–377 a.C.), ele é considerado o “Pai da Medicina,” conhecia profundamente a botânica e o uso medicinal de centenas de espécies de plantas aromáticas, cita em suas obras mais de 400 plantas, entre elas: papoula, alecrim, sálvia e artemísia. Fundamentou a sua prática e a sua forma de compreender o organismo humano, incluindo a personalidade, na teoria dos quatro humores corporais e afirmava que de acordo com os estados da mente, ou o ser entra em equilíbrio (eucrasia), ou em doença e dor (discrasia).
Teofrasto, considerado “pai da botânica moderna” (370–285 a.C.), escreveu História Plantarum, a obra de botânica mais antiga que se conhece, sua influência sobre os estudos das plantas se estendeu por 1800 anos, e a História Plantarum descreve um grande número de plantas, incluindo uma descrição do local onde vegetavam, germinação das sementes e respectivo uso na medicina e na preparação de perfumes. Galeno, (129–200 d.C.), foi um dos mais famosos médicos gregos, ele conhecia e estudava as plantas medicinais e seus poderes curativos, em sua obra De Simplicibus descrevia com detalhes cada planta medicinal, é nesse período que a medicina empírico racional se estabelece graças aos Papiros dos Ebreus e o desenvolvimento diagnóstico terapêutico de Galeno, neste período é descartado o interesse pelas forças sobrenaturais para o portador de doenças, desaparecendo então a medicina magico simbólica, esse sistema hipocrástico-galeno já aborda a psicossomática e a fisiologia humana, e prevalece fortemente até os séculos XV e XVI, Aristóteles, Plinio, Dioscórides também recebem grande notoriedade na descrição da botânica e no uso de plantas medicinais, ampliando o conhecimento acerca delas, (Marques 1998).
A cultura, nos primeiros séculos da Alta Idade Média (V–X), sofreu um retrocesso em termos civilizatórios, e na Europa a idade média atravessou um período de obscuridade científica, haviam todos os tipos de pessoas que diziam curar doenças com “plantas magicas” e montavam um palco de encenações cheias de rituais e baboseiras para fazer um simples chá, ou uma pomada ou um creme, vendendo a cura através da enganação pela fé dos mais desinformados, e durante este tempo, os indivíduos que estudavam seriamente e sabiam realmente como usar as plantas medicinais começaram a ser perseguidos e acusados de bruxaria e pacto com o demônio, e eram jogados na fogueira em nome de Deus, e muitos livros e estudos sérios foram queimados com eles, se perdendo milhares de informações preciosas.
O conhecimento sobre a utilização das plantas medicinais da época da "Santa inquisição" só sobreviveu aos dias atuais dentro dos monastérios, onde os monges copiavam à mão os livros da antiguidade, os monastérios dos beneditinos monopolizaram a cultura e distribuição de ervas aromáticas durante a Idade das Trevas na Europa. Esta situação durou até o fim do século XIX, porém neste mesmo período em outra parte do mundo, a cultura árabe emergiu com grande atividade científica, acrescido de alguns conhecimentos indianos e surge então a “medicina árabe” destacando-se neste meio Avicena, cabendo destacar que até o século XV os saberes relacionados sobre plantas medicinais eram permeados por visões e trabalhos árabes, baseados na ideologia hipocrástico-galeno.
A partir do Renascimento (1464–1534), novas luzes foram lançadas sobre a humanidade, os armazéns de especiarias passaram a ser conhecidos como boticas e, seus proprietários, como boticários, eram esses boticários que deram origem às “matérias médicas.” Nessa época então surge Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, o famoso médico e revolucionário Paracelso (1493-1541), que defendia que o verdadeiro conhecimento deveria ser procurado em observações diretas e recentes da Natureza, conjurou um sistema médico sincrético conciliando alquimia, medicina popular, astronomia e outras concepções de corpo, saúde mental e doenças, foi o primeiro médico da história que usou algo que não fosse vegetal, nem animal para tratamento médico, curando a sífilis pelo metal mercúrio.
Foi Paracelso o responsável pela preparação de medicamentos a partir do extrato bruto de plantas e substâncias minerais (Gomes & Reis, 2000). Esse entendimento junto a observação e sua crença na “Signature doutrinae”, que consistia na suposição que Deus sinalizava substâncias bioativas nas plantas, com a finalidade de dar dicas sobre o seu uso em certas doenças. Por exemplo, a morfologia das folhas de erva de São-João (Hypericum perforatum L) remetem a picadas, determinando assim o seu uso no tratamento deste (Petrovska, 2012). Muito provavelmente foram esses estudos sobre respostas terapêuticas frente a substâncias extraídas de espécies vegetais, os responsáveis pelo primeiro entendimento sobre moléculas bioativas (Almeida, 2011).
Carolus Linnaeus (1707–1778), naturalista sueco, “pai da taxonomia botânica,” em suas obras Espécies Plantarum (1758) estabelece o ponto de partida Farmácia da Natureza da nomenclatura moderna das plantas, baseado nos caracteres sexuais das flores; e na obra Genera Plantarum (1764), amplia esse conhecimento. No final do século XVIII e início do século XIX a química se estabelece como uma disciplina científica e os químicos que estudavam as plantas medicinais, a partir de recursos extremamente limitados, começam a se dedicar a isolar compostos ativos de plantas consagradas pelo uso medicinal, então princípios ativos começam a ser isolados a partir de espécies vegetais, e dão origem a diversos tipos de substâncias, em 1.806 Sertumer isola a morfina a partir da espécie Papaver somniferum L. (papoula), e em 1818, Pelletier e Caventou isolam a estricnina a partir da espécie Strychnos nux-vomica L. (noz-vômica). Mas foi somente em 1897 que o primeiro fármaco foi produzido, a partir da espécie Salix alba L. (salgueiro), usada medicinalmente há mais de 6000 anos, a substância salicina é convertida em ácido salicílico e depois em ácido acetil-salicílico (AAS) tornando se sucesso de vendas no mundo todo (DerMarderosian & Beutler, 2011).
Quando em 1.928 Fleming isola a penicilina á partir de um organismo, surge o inicio da era dos antibióticos, que vai até meados de 1.970, transformando a área terapêutica de saúde.
Após a segunda guerra mundial, surgem os anti-histamínicos, antipsicóticos, antidepressivos, ansiolíticos e anti-inflamatórios, consolida se á partir daí um paradigma ocidental terapêutico, que é a ascensão da indústria farmacêutica, que como consequência tem a redução do uso de derivados vegetais como medicamento á partir do desenvolvimento de drogas sintéticas e há uma quebra de conexão entre plantas e saúde humana. A fitoterapia passa a ser então associada a curandeirismo, charlatanismo, práticas primitivas e artes místicas, e é classificada como uma medicina alternativa para quem não tem acesso a "medicina verdadeira", podemos ver nessa fase um regresso de mentalidade e uma incoerência de raciocínio, á partir do momento que a farmácia deriva dos boticários e os remédios nascem de ativos separados das plantas, mas enfim "humanos sendo humanos", e mesmo que a Organização Mundial de Saúde (OMS) estimasse que de 70-90% da população mundial faça uso de práticas medicinais tradicionais, e a fitoterapia em muitos locais do mundo como única pratica terapêutica (WHO, 2013), essa prática depois de toda transformação fármaco científica, sobreviveu apenas pelas mãos de curandeiros, raizeiros com suas garrafadas, que levavam o alívio para milhares de pessoas que eram desassistidas pela medicina moderna, e é por essas razões que houve e ainda há um pouco de dificuldade de aceitação da fitoterapia pela comunidade médica científica.
(Robson & Zhang, 2011).
Á partir deste nosso século, durante uma Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde no Cazaquistão em 1.978 é assinada a Declaração de Atma-Ata, onde os principais objetivos estabelecidos eram reforçar a saúde como um direito humano fundamental, e torna-lo uma das principais metas sociais mundiais, também promover cuidados essenciais de saúde, baseados em métodos e tecnologias práticas, cientificamente fundamentadas e socialmente aceitáveis.
Reconhecendo a importância das práticas tradicionais terapêuticas na atenção á saúde das pessoas, a OMS tem destacado a necessidade de se valorizar a utilização de plantas medicinais no âmbito terapêutico, e o uso de medicamentos fitoterápicos com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico, que recomendou a difusão, em nível mundial, dos conhecimentos necessários para o seu uso, aqui no Brasil somente em 1981 que o Ministério da Saúde começou a adotar as plantas medicinais como prioridade (Portaria Nº 212, de 11 de setembro de 1981). Já em 1.982 algumas plantas medicinais foram incluídas na lista da Central de Medicamentos (CEME), por intermédio do Programa de Pesquisa de Plantas Medicinais (PPPM), que objetivava o desenvolvimento de uma terapêutica alternativa e complementar, com embasamento científico, através do estabelecimento de medicamentos originados a partir de determinação do real valor farmacológico de preparações de uso popular à base de plantas medicinais. Em 1987, a Resolução 40.33 da 40ª Assembleia Mundial de Saúde, reiterou algumas normas:
1. Iniciar programas amplos, relativos à identificação, avaliação, preparo, cultivo e conservação de plantas usadas em medicina tradicional;
2. Assegurar a qualidade das drogas derivadas de medicamentos tradicionais, extraídas de plantas, pelo uso de técnicas modernas e 4 Farmácia da Natureza aplicações de padrões apropriados e de boas práticas de fabricação (BPF).
Foi somente no século XXI que a legislação brasileira começou a avançar de maneira significativa na área dos fitoterápicos, paralelamente, a OMS lançava uma série de publicações que embasavam e estimulavam a produção e utilização de fitoterápicos, como o WHO Traditional Medicine Strategy (2002–2005) (WHO, 2002).
Em 2011, foi lançada a 5a edição da Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2010a, 2010b), que trazia descrição de 52 plantas medicinais, na forma de droga vegetal, no ano seguinte, foi publicado a 1a edição do Formulário Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira (BRASIL, 2011), descrevendo 54 plantas medicinais, na forma de droga vegetal, tintura, gel, pomada, creme, xarope e sabonete. No ano de 2014, com a publicação da RDC Nº 26, de 13 de maio de 2014 (BRASIL, 2014c), e da IN Nº 4, de 18 de junho de 2014 (BRASIL, 2014b), o Brasil passa a ter dois tipos de produtos com finalidade medicinal derivados de plantas: o medicamento fitoterápico (MF) e o produto tradicional fitoterápico (PTF).
Medicamentos fitoterápicos (MF) são definidos na legislação brasileira atual como medicamentos obtidos a partir de plantas medicinais, são obtidos empregando-se exclusivamente derivados de droga vegetal (extrato, tintura, óleo, cera, exsudato, suco, e outros).
São considerados produtos tradicionais fitoterápicos (PTF) os obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais cuja segurança e efetividade sejam baseadas em dados de uso seguro e efetivo publicados na literatura técnico científica e que sejam concebidos para serem utilizados sem a vigilância de um médico para fins de diagnóstico, de prescrição ou de monitorização. Os produtos tradicionais fitoterápicos não podem se referir a doenças, distúrbios, condições ou ações consideradas graves, não podem conter matérias-primas em concentração de risco tóxico conhecido e não devem ser administrados pelas vias injetável e oftálmica (BRASIL, 2014c). De acordo com a RDC nº 13/2013 (BRASIL, 2013), o PTF é “aquele obtido com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais, cuja segurança seja baseada por meio da tradicionalidade de uso e que seja caracterizado pela reprodutibilidade e constância de sua qualidade.”
Hoje me dia a fitoterapia já está bem mais reconhecida e cada vez mais surgem ensaios clínicos e estudos científicos comprovando sua eficácia.
E aí gostou de dar uma volta pela história da Fitoterapia?



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